CONSTITUCIONALISMO: PALAVRA RECENTE NUMA IDEIA REMOTA
Constitucionalismo é palavra recente revestida numa ideia remota.
Na Itália, por exemplo, o termo ainda não está totalmente consolidado (Nicola Matteucci,
Dicionário de política, v. 1 , p. 246) .
Mas, se a palavra constitucionalismo é nova, sua concepção é muito velha. Tanto é assim que
Platão já preconizava a ideia de um Estado constitucional. Concebia o primado da lei como a
garantia dos governados. Seu pensamento fazia sentido, porque é na constituição - lei das leis
por excelência - que se exterioriza a ideia de constitucionalismo.
Claro que no tempo de Platão a noção de lei não era a mesma de hoje. Naquela época, a
comunidade política herdava e passava a seus pósteros um sentimento próprio da lei, uma substância
espiritual comum, que, escrita ou costumeira, ficava soberanamente gravada no coração
dos homens (Ernest Barker, Teoria política grega, p. 43 e s.) .
SENTIDOS DO CONSTITUCIONALISMO
O termo constitucionalismo possui dois sentidos:
• sentido amplo - é o fenômeno relacionado ao Jato de todo Estado possuir uma constituição
em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político
adotado ou do perfil j urídico que se lhe pretenda irrogar; e
• sentido estrito - é a técnica j urídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século
XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas,
os seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo
uso da força e do arbítrio.
Constitucionalismo em sentido amplo
No primeiro sentido, a ideia de constitucionalismo logra amplitude considerável, porque
se prende ao fato de que todos os Estados, seja qual for a época de evolução da humanidade,
possuem uma constituição.
É que a história das civilizações resume-se, até os nossos dias, no embate entre a opressão e
a liberdade. Daí a busca pelo reconhecimento dos direitos fundamentais, de modo que a razão
sobrepuje a força e a violência.
Se é exato que esse embate culminou com a eclosão da Revolução Francesa, mais certo
ainda é que os ideais de liberdade, democracia e j ustiça sempre foram a tônica dos reclamos
contra os processos de domínio das coletividades.
Por isso, sempre existiu uma norma básica para conferir poderes ao soberano. Aqui pouco
importa se o documento constitucional impõe limites, ou não, aos atos de governo, se é escrito
ou consuetudinário. O que interessa, apenas, é a existência, explícita ou tácita, de um conjunto
de princípios, preceitos, praxes, usos, costumes etc., que ordenavam, com supremacia e coercitividade, a vida de um povo.
É nessa vertente que desponta o sentido amplo de constitucionalismo, que não se confunde
com aquela técnica j urídica de tutela das liberdades surgida nos fins do século XVIII e adotada
pela maioria dos Estados para pôr fim ao governo absolutista .
Constitucionalismo em sentido estrito
Da ótica stricto sensu, o significado do constitucionalismo advém do movimento constitucionalista,
que o alçou ao posto de técnica j urídica de tulela das liberdades públicas.
O movimento constitucionalista teve caráter jurídico, social, político e ideológico.
Jurídico, porquanto propôs a regulamentação legal do exercício do poder por intermédio da
adoção de constituições escritas, cuja superioridade implica a subordinação de todos os atos
governamentais aos seus dispositivos.
Social, porque estimulou o povo a lutar contra a hegemonia do poder absoluto, a fim de
dividi-lo, organizá-lo e discipliná-lo.
Político, pois bradou contra a opressão e o arbítrio, em nome da defesa dos direitos e garantias
fundamentais.
Ideológico, uma vez que exprimiu a ideologia liberalista, baseada na implantação de um
governo das leis e não dos homens. Nesse particular aspecto de cunho liberal-burguês, a concepção
de constitucionalismo não se restringe a limitar o poder e a garantir as liberdades públicas. Vai
mais adiante, abrangendo os diversos quadrantes da vida econômica, política, cultural, social etc.
Com efeito, o movimento constitucionalista apregoava que todos os Estados deveriam
possuir constituições escritas, as quais funcionariam como instrumentos assecuratórios dos direitos
e garantias fundamentais. O marco do seu apogeu foi o fim do século XVIII, em oposição
ao absolutismo --2. o Ancien Régime.
Enquanto o Antigo Regime previa a concentração do exercício do poder nas mãos da monarquia,
o constitucionalismo, pelo contrário, defendia a divisão do poder. Esse é o sentido mais comum e usual da palavra constitucionalismo.
Nesse particular, salientou Nicola Matteucci:
"A definição mais conhecida de constitucionalismo é a que o identifica com a divisão do
poder ou, de acordo com a formulação jurídica, com a separação dos poderes. A favor desta
identificação existe um precedente assaz respeitável, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1 789, que tão grande influência havia de ter nas mudanças constitucionais da Europa
no século XIX" (Dicionário de política, v. 1 , p. 248). Realmente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1 789 proclamou em seu art. 1 6: "Toda a sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos Poderes, não tem constituição".
Tal enunciado consistiu numa arma do liberalismo contra o absolutismo, caracterizado pela
fusão do monarca com o Estado. A doutrina liberal encontrou, dessa forma, uma saída para eliminar os abusos, as arbitrariedades, o desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, cometidos pela realeza.
Portanto, como técnica jurídica de tutela das liberdades, o constitucionalismo foi um movimento
criado para assegurar as prerrogativas inalienáveis do ser humano, permitindo ao povo
exercer seus direitos fundamentais, previstos na constituição.
O constitucionalismo é uma técnica jurídica de tutela das liberdades, porquanto engloba um
conjunto de normas, instituições e princípios constitucionais positivos, depositados em constituições
escritas, a exemplo do direito à vida, à igualdade, à dignidade, ao devido processo legal,
e tantos outros vetores relacionados à mecânica dos direitos humanos fundamentais.
Autor: Uadi Lammêgo Bulos - Curso de Direito Constitucional (2014)
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