CONSTITUCIONALISMO PRIMITIVO
Na etapa do constitucionalismo primitivo, ele se identificava com a acepção ampla da palavra, que parte da premissa segundo a qual "as entidades políticas sempre tiveram e têm uma constituição" (Hermann Heller, Teoria do Estado, p. 318).
Ora, se as entidades políticas sempre tiveram e têm uma constituição, é forçoso reconhecer que a ideia, não a palavra constitucionalismo, pode ser detectada desde priscas eras. Entre os povos primitivos, a ideia de constitucionalismo não se originou daquelas concepções que só apareceriam nos fins do século XVI II, com as Revoluções Francesa e Norte-Americana, as quais apregoavam o primado da liberdade, da democracia e da Justiça, que se tornariam fundamentos da generalidade dos povos civilizados.
Apresentava-se, tão somente, em sua manifestação mais singela, sob a forma das organizações consuetudinárias, em que os chefes familiais ou os líderes dos clãs traçavam as normas supremas que deveriam nortear a vida em comunidade, estabelecendo a estrutura-mestra, a essência, o cerne da ordenação jurídica daqueles povos.
A primeira etapa de desenvolvimento do constitucionalismo antecedeu ao advento da dicotomia constituição formal versus constituição material. Alicerçava-se na observância reiterada dos padrões de comportamento dos povos primitivos.
Não existiam constituições escritas e os esforços de formulação das pautas jurídicas de comportamento eram muito limitados. Mesmo assim, já apareciam os vesrígios do que hoje chamamos Direito Público, conforme ensinou John Gilissen, pois havia "uma organização relativamente desenvolvida dos grupos sociopolíticos de numerosos povos sem escrita" (Introduction historique au droit, p. 31).
Ao elemento consuetudinário somava-se a força do politeísmo. O s homens viviam sob o
domínio de uma autoridade considerada divina, em que os detentores do poder eram os sacerdotes, ridos como representantes dos deuses.
Explicam os antropólogos que, nessa quadra da história, os direitos eram profundamente
místicos e irracionais. Mencionam os ordálios- juízos divinos obtidos pel água fervente, o fogo, o veneno, o duelo, mediante os quais se manifestavam os poderes sobrenaturais para saber quem estava com a razão (L. Pospisil, Anthropology of Law, p. 7; A. S. Diamond, Primitive Law: past and presenr, p. 54; A. R. R. Brown, Structure and function in primitive socie'ty, p. 43) .
Veja-se que a origem da ideia de constitucionalismo não se liga, de modo inexorável, ao
advento de constituições escritas. Noutras palavras, a existência de uma constituição escrita não se identifica necessariamente com a deflagração da ideia de constitucionalismo. Organizações políticas anteriores à égide dos textos escritos viveram sob o comando de um Direito Constitucional que não estava articulado em documentos constitucionais marcados pela grafia.
Segundo Karl Loewenstein, houve época em que as constituições se regiam pelas convicções da comunidade e pelos costumes nacionais, que se refletiam nas relações entre governantes e governados.
Cita, como exemplo, a estruturação do antigo Estado hebreu. Assevera que os hebreus foram um dos primeiros povos a praticar o constitucionalismo ( Teoria de La constitución, p. 1 54- 1 57) .
Para Loewenstein, pois, o marco d o nascimento d o movimento constitucionalista foi entre
os hebreus, que em seu Estado teocrático estabeleceram limites ao poder político pela imposição da Bíblia. Então caberia aos profetas, dotados de legitimidade popular, fiscalizar e punir os atos dos governantes que ultrapassassem os limites bíblicos. Eis aí a primeira experiência constitucionalista de que se tem registro ( Teoria de La constitución, p.154).
Acresça-se à assertiva de Loewenstein a evolução dos direitos de algumas etnias africanas. Certas populações, como a da Nigéria e a da Zâmbia, conheceram um estágio de ordenação constitucional muito semelhante àquela do Estado centralizado das monarquias, em que os reis governavam com a assistência de seus súditos, sem qualquer lastro em constituições escritas (T. O. Elias, La nature du droit coutumier africain, p. 1 8 e s.; A. N. Allot, judicial and Legal systems in Africa, p. 23 e s.).
Os caracteres gerais do constitucionalismo dos povos primitivos foram os seguintes:
• Os direitos, prerrogativas e deveres não vinham depositados em instrumentos constitucionais escritos. Aliás, nem existia a díade constituição formal versus constituição material.
• Cada comunidade regia-se por costumes próprios, quase sem contato com outros grupos.
Esses costumes derivavam da observância geral, constante e uniforme das condutas humanas. Formavam-se por dois elementos: um objetivo e outro subjetivo. O elemento
objetivo, material, fático ou externo revelava-se pela repetição de um procedimento - era
o usus. Já o elemento subjetivo, psicológico ou interno promanava da convicção generalizada de sua exigibilidade. Tratava-se da opinio juris et necessitatis, que consistia na certeza de que o respeito à norma consuetudinária equivaleria a uma aquiescência jurídica, disso resultando a sua obrigatoriedade.
• Nos grupos sociais relativamente evoluídos, os anciãos do dá, ou da ernia, submetiam os
membros da comunidade a certos preceitos de comportamento, os quais eram repetidos
em intervalos mais ou menos regulares para que fossem rememorados. O costume, portanto, não era a única fonte dos direitos dos povos primitivos, pois existiam verdadeiras
Leis não escritas para reger a vida do grupo.
• Influência direta da religião, porquanto os povos primitivos viviam sob o constante temor
dos poderes sobrenaturais, alimentando a crença de que seus líderes eram representantes
dos deuses na terra.
• Predomínio dos meios de constrangimento para assegurar o respeito aos padrões de
conduta da comunidade, essenciais para se manter a coesão do grupo.
• Existência de precedentes judiciários. Os chefes ou anciãos firmaram a tendência de julgar os litígios de acordo com as soluções dadas a conflitos semelhantes.
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